24 de março de 2008

PROPAGANDA DA LITERATURA REALISTA

A MULHER NA LITERATURA REALISTA





O Realismo revolucionou a aparência da mulher na literatura. Enquanto na grande maioria das outras escolas literárias sua existência era ignorada, ou completamente idealizada (a mulher tinha de se encaixar nos padrões considerados perfeitos; não era um ser com vontade própria), com a escola realista passou a ser retratada de maneira mais próxima da realidade. Embora quase sempre a mulher surja como dissimulada, capaz de manipular o homem, pela primeira vez é um ser com verdadeira alma, com características particulares.
Autores realistas de todo o mundo aderiram a essa nova visão da mulher. Escolhemos algumas obras em que as mulheres eram particularmente peculiares, todas obras de grande repercussão.


MADAME BOVARY


“No fundo de seu coração, ela esperava que algo acontecesse. Ela não sabia o que seria, o que o vento lhe traria. Mas toda manhã ao acordar, ela esperava que aquele fosse o dia. Escutava a todos os sons, observava cada nova face na rua fora de casa esperando por um sinal, e não entendia porque nada acontecia. E ao pôr-do-sol, mais triste que nunca, ela aguardaria esperançosa a chegada do próximo dia”.



“Madame Bovary” é considerada a primeira obra do Realismo Mundial. Devido ao seu caráter ousado para a época, seu autor, Gustave Flaubert, foi levado aos tribunais, o que simplesmente aumentou o sucesso da obra. Flaubert foi acusado de ofensa à moral e à religião, e defendeu-se afirmando que ele próprio era Emma Bovary. Declarou que seu livro não constituía uma apologia ao adultério, mas uma crítica à burguesia da época.

O livro conta a história de Emma Bovary, uma pequeno-burguesa do campo, casada com Charles, um médico. Emma encontra-se permanentemente descontente, pois sente que não pertence àquele lugar – era muito bonita e requintada para estar ali no campo, onde ninguém jamais a conheceria. Só encontra alegria na leitura de romances, imaginando-se como a protagonista desses... O marido, apesar de amá-la muito, era profundamente entediante; assim, Emma passa a procurar a felicidade em outros homens, que provam ser tão insatisfatórios quanto Charles. Emma também gasta fortunas em vestidos, jóias... o que leva à ruína de seu marido. Muitos comparam-na a Dom Quixote: de tanto ler novelas de cavalaria, acabou lutando com moinhos... Eis a história de Emma: sua destruição, sua “loucura”, foi causada pela impossibilidade de fazer de sua vida um livro.

Provavelmente, o sucesso de “Madame Bovary” está na profunda análise psicológica que Flaubert fez de sua personagem. Emma Bovary foi uma das primeiras mulheres na literatura a ser capaz de seguir suas próprias vontades e assim levar à ruína um homem.

A DAMA DAS CAMÉLIAS


“Adeus, cara Marguerite. Não sou nem rico o suficiente para amá-la como eu gostaria, nem pobre o suficiente para amá-la como você gostaria. Esqueçamos, então: você, um nome que lhe deve ser quase indiferente; eu, uma felicidade que me é impossível”.



A obra-prima do também francês Alexandre Dumas filho é outro exemplo muito claro da mulher realista, seguidora de nada além de suas próprias vontades, mas fadada a ser produto do meio onde vive. O livro é resultado de uma experiência autobiográfica do autor, seu envolvimento com a cortesã parisiense Marie Duplessis. “A Dama das Camélias” narra o envolvimento de Marguerite Gautier, uma das cortesãs mais requisitadas de Paris, com o jovem Armand Duval. Marguerite, de origem humilde, acostumou-se a uma vida extremamente luxuosa, propiciada pelo dinheiro que recebia de seus amantes; porém, esta vida desregrada também causou-lhe uma grave doença. Armand não era rico, jamais poderia custear os luxos de Marguerite; mas oferece-lhe o amor verdadeiro do qual ela até então se privara. Seu envolvimento não será aceito socialmente. Todos acreditam que apaixonar-se por uma cortesã levaria à ruína de Armand Duval. O casal tenta a todo custo permanecer unido, mas a sociedade tem influência muito forte; o que leva ao fim trágico da obra.

A peculiaridade de “A Dama das Camélias” está em sua protagonista. Marguerite não era verdadeiramente dissimulada, não envolve-se com Armand na intenção de destruí-lo. Não era cortesã originalmente: as condições em que vivia fizeram com que entrasse nessa vida. A história é um estudo da sociedade da época, principalmente de seu “submundo”, da vida das cortesãs – as quais embora fossem comumente vistas como causadoras da discórdia familiar e da ruína, muitas vezes sentiam-se vazias e infelizes.

ANNA KARENINA

“ – Talvez me tenha enganado – disse Karenin.
- Não – disse Anna devagar, olhando com desespero para o rosto frio dele – você não se enganou. Estou escutando você, mas pensando nele. Eu o amo e lhe pertenço. Eu odeio você, temo você... faça o que quiser comigo”.




Junto a “Guerra e Paz”, “Anna Karenina” é a principal obra de Leon Tolstoi. A trama gira em torno do caso extra-conjugal da protagonista. Rica, bonita e popular, Anna encontra-se presa à cruel frieza do marido, Karenin. Quando visita o irmão em Moscou, conhece o conde Vronsky; a paixão entre os dois é avassaladora, e seu envolvimento não permanece em segredo por muito tempo. Karenin ameaça não permitir que Anna veja seu filho nunca mais, mas ela já não pode afastar-se de Vronsky, e vai procurar a felicidade junto a ele. Mas a paixão entre os dois, tão intensa a princípio, vai encontrando dificuldades com o passar do tempo... e Anna vai aos poucos descobrindo que terá de pagar sua felicidade com a distância do filho, o vício do ópio, e, talvez, a própria vida.


Tolstoi foi possivelmente o representante máximo do Realismo russo. Criava personagens baseados em pessoas reais de sua época, e seu sucesso talvez deva-se a sua incomparável capacidade de criar minuciosos relatos psicológicos do ser humano, vinculados a um destino determinado pela realidade social. Em “Anna Karenina”, analisa uma tragédia amorosa com base em questões morais. Acreditaria-se que Anna tinha tudo para ser feliz, e, no entanto, o que tinha não lhe era suficiente; ao procurar ir além, acabou arruinando-se. Tolstoi analisa profundamente a imagem da família nesta obra, o que fica claro já na primeira frase do livro: “Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.

SENHORA

“- A riqueza que Deus me concedeu chegou tarde; nem ao menos permitiu-me o prazer da ilusão, que têm as mulheres enganadas. Quando a recebi já conhecia o mundo e suas misérias; já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois bem, disse eu, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação que ainda posso ter nesse mundo. Mostrar a esse homem, que não me soube compreender, que mulher o amava, e que alma perdeu”.


O brasileiro “Senhora”, de José de Alencar, segue uma linha do Realismo um pouco diferente da das outras obras que já tratamos acima. O calculismo, a dissimulação da protagonista Aurélia Camargo não se deve ao seu envolvimento com vários homens, e sim ao fato de desejar humilhar o homem que a deixou por um dote maior. Aurélia era pobre, e apaixona-se por Fernando, que a princípio retribui seu amor; mas quando este precisa de dinheiro, promete casamento a Adelaide Amaral, que oferecia um dote razoável. Aurélia recebe uma herança imensa, e com ela arranja seu casamento com Fernando, só para ter o prazer de vingar-se: ele sempre teria seu orgulho ferido. Após o casamento, diversos episódios se sucedem, até que o casal finalmente possa se entender.


José de Alencar não visa elaborar discussões morais, e sim atacar uma instituição social em particular: o casamento – ao qual importava mais a união de duas fortunas que a de duas pessoas. Foi o principal autor realista brasileiro a traçar perfis femininos, como ocorre em “Senhora” e “Lucíola”; ambos os livros fazem parte de sua fase realista, pois são mais críticos que idealizadores (como as obras de sua fase romântica). Aurélia Camargo foge àquilo que se esperaria de uma moça da época: não era ingênua, iludida. Sabia seu valor e tomaria qualquer medida para que os outros também o reconhecessem.



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